Autor: Laís Barros Martins
Circulou nas redes sociais uma frase atribuída a um garotinho de cinco anos que explicava o porquê das aulas terem sido suspensas: “Temos que ficar em casa por duas semanas porque, se o coronavírus não vê ninguém, ele vai embora.”
Ainda que as crianças não sejam grupo de risco da pandemia, adultos ficam preocupados em como lhes explicar o que está acontecendo e sugerem uma série de atividades para ocupá-las nesses tempos de quarentena. Costuma-se subestimar com esse cuidado, muitas vezes, a capacidade dos pequenos em “elaborar as questões por si mesmos e de enfrentar situações de crise”, comenta Sônia Brólio, psicóloga clínica, especialista em psicoterapia da infância e adolescência, e diretora do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza da Universidade de São Paulo.
“Os pais tendem a superprotegê-los, acreditando que é possível servirem de anteparo à dor, num esforço para que não sofram, pois costumam enxergar os filhos como dependentes, imaturos, frágeis. É difícil encarar o fato de que, dia após dia, vai se construindo ali um outro sujeito, com vontades, pensamentos, crenças e desejos próprios”, diz a especialista. Por isso, podemos nos surpreender com as possibilidades de entendimento que surgem justamente deles sobretudo em momentos de descontração.
Em uma simples brincadeira com as bonecas na sala de casa, Clara, filha de Tatiana Eskenazi e Eduardo Pesaro, de apenas quatro anos, determinou que uma delas ficasse isolada porque estaria infectada com o coronavírus. Ela entendeu que o afastamento temporário de uma boneca seria melhor para preservar a saúde de todas as outras. Depois, conversando com outra boneca e com o irmão Pedro, de oito anos, ela explicou que o vírus não vai embora quando a gente quer, mas quando ele quer.
“O brincar é, sem dúvida, a forma de expressão mais genuína das crianças”, comenta Sônia. “É por meio da atividade lúdica, do jogo de faz de conta, que elas transitam entre o mundo interno e externo, revelando pensamentos, desejos, conhecimentos, sentimentos e fantasias, e também experimentam diversas situações, exercitam capacidades, testam seus limites”, explica.
Portanto, oferecer às crianças “a possibilidade de brincar e imaginar livremente é a melhor forma de elas elaborarem suas experiências e resolverem conflitos”, pontua a especialista.
Já Helena, de oito anos, filha de Gisele Stela e Fred Carvalho, dedicou-se a escrever um livro. Nas páginas de sua nova obra, ela conta: “Certo dia, lá na China, começou o coronavírus, uma doença que transmite febre, espirro, tosse e falta de ar. Um horror. Então, o coronavírus começou a espalhar-se em diversos países e chegou no Brasil. Os brasileiros estão loucos. Todas as escolas, creches, faculdades e empresas começaram a fechar. Aí que começou a quarentena, lembrando a gente de lavar as mãos, passar álcool em gel e limpar todos os lugares de sua casa.”
Mais adiante, ela declara sua esperança frente à situação. “Eu espero que todas as pessoas que estão com coronavírus melhorem bem rápido e que os médicos achem a cura bem rápido também. Agora, eu quero que todas as pessoas fiquem em casa, pois isso vai ajudar o coronavírus a ir embora.”
De acordo com Sônia, “se reconhecer como sujeito, desenvolver autonomia e ter a autoestima assegurada é uma construção que vai se dando ao longo da vida, resultado das trocas entre a criança e o mundo”. A especialista aponta que “o fortalecimento dos vínculos familiares e um ambiente que favoreça seu crescimento” faz com que as crianças “desenvolvam um sentimento de segurança básica, que as permitirá exercer seu potencial criativo e propor soluções originais de problemas”, como fez Helena ao decidir passar uma tarde escrevendo até completar mil palavras.
Sônia segue explicando que esses recursos internos de cada criança frente a situações de crise ou outros conflitos vêm das “relações e competências iniciais, constitutivas de sua identidade, desde os primeiros dias de vida, que as ajudarão a superar os obstáculos colocados a cada etapa do desenvolvimento”. Neste processo, os pais são os principais responsáveis por educar “indivíduos melhor instrumentalizados para lidar com momentos difíceis”, sendo importante “cultivar a comunicação e a clareza diante de situações de conflito, estimular seu potencial, se posicionar com abertura e as incluir na solução de problemas”, sugere a terapeuta.
Acervo Pessoal/Daniela Kopsch Daniela e a enteada Lina assinaram uma espécie de contrato, com atividades para compor o dia a dia da quarentena. (Arquivo Pessoal) Foi justamente o que Daniela Kopsch propôs à enteada Lina, de nove anos. As duas estabeleceram um acordo, mediante assinatura de uma espécie de contrato, sobre a quais atividades se dedicariam dia a dia no período da quarentena e por quanto tempo. Entre as cláusulas, decididas em conjunto, sessões de Cavaleiros do Zodíaco, jogos de tabuleiro, praticar piano e até uma janela para ajudar nas tarefas de casa, como pequenas arrumações e molhar as plantas. “Percebi que isso a fez levar muito a sério o combinado e que ela gostou de variar as atividades. Até descobriu a graça em experimentar coisas novas, como o bordado, por exemplo. Depois que aprendeu a bordar, vi que ela ficava mais animada com esse trabalho manual do que em estar conectada às telas”, conta a madrasta. Helena também se adaptou à nova rotina, incluindo “as tarefas que as professoras falavam pela internet”; brincar de desenhar e fazer origami; ajudar a mãe “a fazer coisas de casa” e, claro, escrever seu livro. Como muitas crianças, ela queria sair, “ir ao clube e andar na praça”, mas ela sabia que isso não era possível nem para ela, nem para ninguém. A pequena escritora ainda propôs um questionário sobre o coronavírus para o seu irmão mais velho, Felipe, de 11 anos, com perguntas sobre o medo de ficar doente e a vontade de inventar uma medicação. Descobriu-se, dessa entrevista, que Felipe preferiria acordar todos os dias às seis horas da manhã para ir à escola a estar na quarentena. “A clareza na comunicação, transmitindo às crianças as mensagens de forma que elas entendam, respeitando os limites de cada etapa de seu desenvolvimento emocional e cognitivo, não é tarefa fácil para grande parte dos adultos, mas é fundamental para que elas possam desde sempre responder à vida com responsabilidade e verdade”, comenta Sônia. Contudo, recomenda ela, o melhor que se tem a fazer para facilitar a vivência desse período de pandemia e isolamento social, um momento carregado de incertezas, é simplesmente acompanhar as crianças. “Participar de suas brincadeiras, sem atribuir a elas um sentido a partir do olhar do adulto, e resgatar em cada um de nós a infância adormecida”. Fonte: Lunetas
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